Mês da Mulher – Mulheres brasileiras que lutam por um mundo melhor

Conheça Maria da Penha Maia Fernandes, lutadora por uma vida LIVRE DE VIOLÊNCIA.

O 8 de março foi reconhecido como Dia Internacional das Mulheres pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975. Apesar do marco histórico da data ser o incêndio que aconteceu em Nova York, em 1911, e matou mais de 120 mulheres em um fábrica, a organização das mulheres na luta por direitos teve origem no movimento operário, antes disso. Em 1908, mais de 15 mil mulheres marcharam pela cidade de Nova York exigindo a redução das jornadas de trabalho, salários melhores e direito ao voto e, já nessa época, ganhava força a engajamento político das mulheres na luta pelo reconhecimento de seus direitos. A proposta de criar uma data internacional foi de Clara Zetkin, ativista comunista e defensora dos direitos das mulheres, que lutava pela causa das mulheres trabalhadoras.

A data não é comemorativa e, sim, política. Ainda hoje, nós, mulheres, seguimos lutando contra os diversos tipos de violência e discriminação praticados em função do gênero. É preciso atuar todos os dias por pautas que garantam equidade e a real emancipação feminina. A realidade ainda nos mostra quão árdua e persistente precisa ser a nossa luta, especialmente, contra o machismo, naturalizado em nossa sociedade, e que leva a comportamentos violentos contra mulheres, gerando níveis alarmantes de feminicídio no País.

De acordo com dados de pesquisa feita pelo Instituto Datafolha, para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência psicológica, física, ou sexual no Brasil. Maria da Penha é um dos símbolos brasileiros na luta contra essa realidade. Sua história marca a luta pelo fim da violência contra a mulher. É graças a ela, e sua busca por justiça, após ser vítima de uma tentativa de feminicídio, que hoje existe a Lei Maria da Penha, fundamental na proteção das mulheres brasileiras em casos de violência doméstica e familiar.

A busca por justiça durante quase 20 anos

Maria da Penha nasceu em 1945, em Fortaleza. É farmacêutica bioquímica e mestre em Parasitologia em Análises Clínicas.  Foi enquanto cursava seu mestrado, em 1974, que ela conheceu o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros.  No mesmo ano começaram a namorar, e Marco Antônio demonstrava ser muito amável, educado e solidário. O casamento aconteceu em 1976. Eles tiveram três filhas e, foi a partir desse momento, que a história mudou.

Após Marco Antônio conseguir a cidadania brasileira e estabilidade profissional e econômica, o marido mudou e as agressões começaram, com atos de intolerância, exaltação e comportamentos explosivos, não só com a esposa, mas também com as próprias filhas, tornando o medo constante, e as atitudes violentas cada vez mais frequentes. Nesse cenário formou-se o ciclo da violência, em que há o aumento da tensão, o ato de violência, o arrependimento e posteriormente, o comportamento carinhoso. Nesta ultima fase, na esperança de uma mudança real por parte do ex-marido, Maria da Penha teve a sua terceira filha.

Em 1983, ela foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antônio, que primeiro deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Como resultado dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis, além de outras complicações físicas e traumas psicológicos.

Marco Antônio declarou à polícia que eles sofreram uma tentativa de assalto, versão posteriormente desmentida pela perícia. Quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.

Juntando as peças de um quebra-cabeça perverso montado pelo agressor, Maria da Penha compreendeu os diversos movimentos feitos pelo ex-marido, que insistiu para que a investigação sobre o suposto assalto não fosse levada adiante, fez com que ela assinasse uma procuração que o autorizava a agir em seu nome e ainda foi descoberta a existência de uma traição. Foi aí que, com a ajuda e apoio jurídico de familiares e amigos, ela conseguiu sair de casa, sem que isso pudesse configurar abandono de lar; assim, não haveria o risco de perder a guarda de suas filhas.

Maria da penha sofreu violência, também, por parte do Poder Judiciário brasileiro. O primeiro julgamento de Marco Antônio, aconteceu somente em 1991, oito anos após o crime. O agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas, devido a recursos solicitados pela defesa, saiu do Fórum em liberdade. Mesmo fragilizada, Maria da Penha continuou a lutar por justiça, e foi nesse momento em que escreveu o livro Sobrevivi… posso contar (publicado em 1994 e reeditado em 2010) com o relato de sua história e os andamentos do processo contra Marco Antônio.

O segundo julgamento só foi realizado em 1996, no qual o seu ex-marido foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Contudo, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.

O ano de 1998 foi muito importante para o caso, que foi denunciado para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Mesmo diante de um litígio internacional, o Estado brasileiro permaneceu omisso e não se pronunciou em nenhum momento durante o processo. Só em 2001 o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.

A história de Maria da Penha significava mais do que um caso isolado: era um exemplo do que acontecia no Brasil sistematicamente sem que os agressores fossem punidos. Foi então que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Estado brasileiro que o agressor de Maria da Penha pagasse penalmente pela agressão e tentativa de homicídio, além de uma série de medidas para que o Estado assumisse o compromisso de reformular as suas leis e políticas em relação à violência doméstica.

A criação da Lei Maria da Penha

Conforme se verificou, era preciso tratar o caso de Maria da Penha como uma violência contra a mulher em razão do seu gênero, ou seja, o fato de ser mulher reforça, não só o padrão recorrente desse tipo de violência, mas também acentua a impunidade dos agressores. Diante da falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos a essas vítimas, e em resposta a debates que exigiam uma posição do Estado, em 2006 foi sancionada a Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica contra a mulher.

O Brasil ocupa o lugar de um dos países onde mais ocorre violência contra as mulheres no mundo. Segundo o portal Relógio da Violência, do Instituto Maria da Penha, uma mulher é vítima de violência física ou verbal, no Brasil, a cada 2 segundos. A violência doméstica e familiar contra a mulher é conceituada no art.5º da Lei Maria da Penha como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano material ou patrimonial”.  A definição da violência como questão de gênero é um grande passo na luta pelos direitos das mulheres.

A luta e contribuição de Maria da Penha não parou por aí. Depois da criação da Lei, Maria da Penha vem sendo homenageada internacionalmente, por sua importante conquista para as mulheres brasileiras, gerando grande visibilidade para o tema. Maria da Penha conta sua história de vida e alerta sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de palestras, seminários e entrevistas para jornais, revistas e programas de rádio e televisão. Seu livro Sobrevivi… posso contar (1994) ajuda milhares de mulheres, adolescentes e meninas a entender e quebrar o ciclo da violência doméstica.

Ela atua ativamente para divulgar a Lei n. 11.340/2006 e contribuir para a conscientização dos operadores do Direito, da classe política e da sociedade de uma maneira geral sobre a importância de sua correta aplicabilidade, ao mesmo tempo em que esclarece também a questão da acessibilidade para pessoas com deficiência. Desde a sua criação, muitos projetos de lei tentaram enfraquecer a Lei Maria da Penha, mas, devido à ação conjunta de Maria da Penha com movimentos feministas e instituições governamentais, a lei nunca sofreu retrocessos.

Além disso, com o Instituto Maria da Penha (IMP), uma organização não governamental e sem fins lucrativos, Maria da Penha segue o seu trabalho de dialogar com diversos setores da sociedade e promover ações de enfrentamento à violência contra a mulher. Também exerce pressão junto às autoridades (advocacy) para que haja o total cumprimento da Lei n. 11.340/2006; a uniformidade de sua aplicação, evitando interpretações pessoais dos operadores do Direito; e a garantia de todos os direitos reconhecidos nas convenções e declarações assinadas pelo Estado brasileiro.

Maria da Penha luta para inibir, punir e erradicar toda e qualquer violência de gênero. Desconstruir a cultura machista, promover ações educativas de conscientização e fortalecer a rede de apoio às vítimas é o único caminho possível para que as mulheres realizem todas as suas potencialidades e garantam a participação na vida social, a inserção no mercado de trabalho, o respeito, a dignidade e a justiça.

POR ELA E POR TODAS. POR UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA.

Com informações de Instituto Maria da Penha e artigo Como o machismo influencia na formação de crenças desadaptativas em relação às mulheres, de Janya A. P. Costa.